Gatabaia

"Se procurarmos a verdadeira fonte da dança e nos virarmos para a Natureza verificamos que a dança do futuro é a dança do passado, a dança da eternidade, que sempre foi e será a mesma." Isadora Duncan (1878-1927)

22 agosto 2006

Mar e céu das raízes


Eu que era um menino puro Não fui perder minha infância No mangue daquela carne! Dizia que era morena Sabendo que era mulata Dizia que era donzela Nem isso não era ela Era uma môça que dava. Deixava... mesmo no mar Onde se fazia em água Onde de um peixe que era Em mil se multiplicava Onde suas mãos de alga Sôbre o meu corpo boiavam Trazendo à tona águas-vivas Onde antes não tinha nada. Quanto meus olhos não viram No céu da areia da praia Duas estrêlas escuras Brilhando entre aquelas duas Nebulosas desmanchadas E não beberam meus beijos Aqueles olhos noturnos Luzindo de luz parada Na imensa noite da ilha! Era minha namorada Primeiro nome de amada Primeiro chamar de filha Grande filha de uma vaca! Como não me seduzia Como não em alucinava Como deixava, fingindo Fingindo que não deixava! Aquela noite entre tôdas Que cica os cajus travavam! Como era quieto o sossêgo Cheirando a jasmim-do-Cabo! Lembro que nem se mexia O luar esverdeado. Lembro dos seus anos vinte Junto aos meus quinze deitados Sob a luz verde da lua. Ergueu a saia de um gesto Por sôbre a perna dobrada Mordendo a carne da mão Me olhando sem dizer nada Enquanto jazente eu via Como uma anêmona n'água A coisa que se movia Ao vento que a farfalhava. Toquei-lhe a dura pevide Entre o pêlo que a guardava Beijando-lhe a coxa fria Com gôsto de cana-brava. Senti, à pressão do dedo Desfazer-se desmanchada Como um dedal de segrêdo A pequenina castanha Gulosa de ser tocada. Era uma dança morena Era uma dança mulata Era o cheiro de amarugem Era a lua côr de prata Mas foi só aquela noite! Passava dando risada Carregando os peitos loucos Quem sabe pra quem, quem sabe! Mas como me perseguia A negra visão escrava Daquele feixe de águas Que sabia ela guardava No fundo das coxas frias! Mas como me desbragava Na areia mole e macia! A areia me recebia E eu baixinho me entregava Com mêdo que Deus ouvisse Os gemidos que não dava! Os gemidos que não dava Por amor do que ela dava Aos outros de mais idade Que a carregaram da ilha Para as ruas da cidade. Meu grande sonho da infância Angústia da mocidade.
Somima