Gatabaia

"Se procurarmos a verdadeira fonte da dança e nos virarmos para a Natureza verificamos que a dança do futuro é a dança do passado, a dança da eternidade, que sempre foi e será a mesma." Isadora Duncan (1878-1927)

20 outubro 2006

Acção 10 - InAcção



Ninguém pôe limites ao vento: nem

os moinhos de vento, nem Dom Quixote. Mas

um cavalo corre à desfilada por dentro do vento;

e a sua crina enfunada transforma o cavalo

num barco louco, de velas abertas como as velas

do moinho. É então

que Dom Quixote se senta na proa do barco. A sua lança

rasga os flancos do vento, e uma chuva de sangue

abre um sulco na terra por onde passaram

os ventos e os cavalos de inverno.

Nunca soube distinguir entre um barco

e um cavalo. A única diferença está nas ondas que

empurram o barco e nos quixotes que empurram

os cavalos. O espírito de vento habita-os: as ondas relincham

com uma alegria de nortada; e os quixotes cravam as esporas

nas velas do moinho pensando que são os flancos

do cavalo. É então

que o moinho se ergue com um relincho

de barco; e as suas patas cravam-se nas ondas, como se

o moinho fosse um barco equestre.

Um mar de quixotes alastra pela terra. Os cavalos

fogem à sua passagem; os ventos curvam-se perante

as suas ondas. Entrego-lhes a dulcineia branca de todos os sonhos

do vento. Os seus seios que incham com os ventos

do sul; o seu ventre por onde sopram os ventos circulares

dos trópicos. A jovem dulcineia que todos os moinhos

pussuíram com os seus braços de vento; a dulcineia enlouquecida

como as éguas batidas pelas velas dos moinhos. Os seus olhos

que empalidecem com a agonia de Dom Quixote.

O amor de quixote e dulcineia é o mar

em que esses barcos naufragam, os recifes em que as velas

do moinho se rasgam, o muro em que se precipita

uma desfilada de cavalos.

Uma bátega de pássaros

no coração da terra.

In Raptos de Nuno Júdice

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